A COLONIZAÇÃO DA REGIÃO DE BOTUCATU
Até 1821, o meio mais comum de obtenção de terras,
nas regiões menos colonizadas do Brasil, era através de sesmarias. O
rei, ou o governador da província, doava terras aos requisitantes, desde
que estes colonizassem essas terras, com construção de moradias, cultivo
agrícola ou criação de gado, além do estabelecimento de colonos. Era
uma forma de incentivar a ocupação do oeste ainda bravio, habitado por
índios.
Na região de Botucatu, no século 18, foram obtidas pelo menos
13 grandes áreas, por este processo. A primeira delas, acompanhando o rio
Santo Inácio, foi obtida no governo paulista de Antonio de Albuquerque
Coelho de Carvalho, entre 1709 e 1713, duração de seu mandato. Em 1719
essas terras foram doadas aos Jesuítas, que aí instalaram uma fazenda,
depois chamada Boa Vista. Esta fazenda é o marco inicial da colonização
regional.
Depois, entre 1740 e 1780, foram concedidas pelo menos mais 12
sesmarias, referentes, por ordem cronológica, a terras localizadas junto
aos rios Alambari, Tietê, Claro, Palmital, Pardo, Turvo e do Peixe. Os
beneficiários, grandes proprietários de Sorocaba, Itu, Araritaguaba
(Porto Feliz) e São Paulo, ou não cumpriram os requisitos legais da
ocupação, ou logo passaram adiante essas terras, por compra e venda,
podendo ser considerados os primeiros especuladores imobiliários desta
vasta região. O fato é que não deixaram rastro de ocupação efetiva.
Nesse período, um ponto de referência marcante é o Caminho do Iguatemi,
que ia bater no forte e presídio homônimo, no Mato Grosso, ponta de
lança frustrada na ocupação do oeste mais longínquo, pois que em
poucos anos foi desativado. Uma doação, de c. 1780, fala em “sobras de
sesmaria”, e entendemos por isso o vazio entre sesmarias anteriores, nos
espigões. Não nas margens dos rios (chamadas “testadas”), que eram a
parte nobre das terras, mas nas partes altas, afastando-se dos rios
(chamadas “fundos”). Se havia sobras, eram nos fundos, não nas
testadas. Isto pode ser um indício de que já havia um certo interesse na
aquisição de terras na região, nesse fim dos setecentos.
De 1808 a 1821 as sesmarias vão ganhando cada vez maior
importância, aumentando muito o número de pedidos. São nelas nomeados
então rios menores, como o Prata, ou mais de oeste, como o Lençóis.
Desse período temos notícia de uma compra de terras entre o Pardo e o
Prata, feita pelo Capitão José Pinheiro Velloso e sua esposa, e isto
ficamos sabendo através de uma ação de manutenção de terras,
interposta por estes contra posseiros, em 1846: ... “são senhores e
possuidores de uma fazenda de campos de criar e terras lavradias em Cima
da Serra de Botucatu, que houveram por compra, há mais de 38 anos, do
finado João Pires de Almeida Taques”. Este, sesmeiro em 1766, na
região. Um aspecto importante desta primeira compra e venda é que, quem
comprava terras, nesse tempo, queria realmente ocupá-las e não
abandoná-las, como ocorria com os sesmeiros, que as obtinham de graça.
Em 1821 cessam as sesmarias, em parte porque os sesmeiros não cumpriam
realmente a ocupação, e em parte porque as terras de oeste já estavam
razoavelmente valorizadas. Quem as quisesse, precisava efetivamente
ocupá-las, reivindicando anos depois sua propriedade, ou comprá-las, de
sesmeiro ou outro vendedor. Daí em diante notamos a formação de várias
fazendas, entre elas a Monte Alegre, a Capão Bonito, a das Pedras, a
Morrinhos, a Três Pontes, pertencentes ao Capitão acima nomeado.
A
partir de 1843, com a formação do Patrimônio de Nossa Senhora
Sant'Anna, por doação desse mesmo Capitão, aumenta muito o interesse pela
região. Grande parte das terras é adquirida por posse, de que são
testemunhas as então chamadas “cartas de venda”(hoje, compromissos de
compra e venda), que apresentam como título do vendedor a posse mansa e
pacífica por vários anos. É então que começam a aparecer numerosos
topônimos, definindo a geografia regional.
A área onde hoje se localiza
a cidade de Botucatu era conhecida como Rincão da Cerca Velha (depois
Rincão da Capela), parte de uma grande invernada chamada Capão Bonito,
da Fazenda Monte Alegre. O rincão é uma parte abrigada, com aguada e
mato, num campo mais vasto, ou invernada. Cerro do Capão Bonito era o
nome dado ao Morro de Rubião, e onde se localizava uma sub-sede da Monte
Alegre, a Tapera das Laranjeiras.
Dava-se o nome de potreiro às
invernadas pequenas, hoje chamadas pastos. Tínhamos, como exemplo, o
Potreiro da Cerca, na margem direita do rio Pardo, junto da atual Fazenda
Estrela, e o Potreiro do Faxinal, junto ao rio homônimo.
Os Campos do
Aterradinho incluíam uma vasta área, abrangendo as invernadas da margem
direita do Pardo, até a Pratânia atual. Já era conhecido, em 1850, o
Capão Vira-Machado, nas nascentes do córrego Saltinho. Também
conhecidos, já em 1835, os rios Boqueirão e Pulador.
A região de São
Manuel era conhecida como Paraíso, nome do rio que banha a atual cidade.
Na região de Lençóis são nomeados vários rios, como Marimbondo,
Pirapitinga, das Antas.
A grande região entre os rios Capivara e Alambari,
no município de Botucatu, era chamada de Bananal, e havia também o
Caminho do Bananal, atravessando essa área em direção ao atual Rio
Bonito, continuando pela Estrada da Constituição (Piracicaba).
O leitor
poderá com facilidade localizar uma série muito grande de topônimos, da
região que desejar, acompanhando a lista toponímica que vem no fim deste
livro. Do mesmo modo, poderá encontrar os nomes dos primeiros ocupantes
desta vasta região, pelo índice onomástico.
Queremos aproveitar a
oportunidade para esclarecer um ponto muito discutido na história
botucatuense: houve ou não uma Capela de Nossa Senhora das Dores? Em
todos os documentos que vasculhamos, não há referências a ela, quer de
ordem civil, quer de ordem eclesiástica. Este assunto é minuciosamente
abordado num Apêndice, no fim do livro. Esperamos que este livro sirva de
base para pesquisadores futuros, pois apresenta documentos realmente
importantes para o estudo da ocupação desta grande região, porta de
abertura para a conquista do oeste paulista e sul matogrossense.
Os autores