80 - O   COMPADRE   SERRA

  

            Corria o último quartel do século XIX. Uma italianada boa,  estava povoando Botucatu. Além dos mencionados em capítulos anteriores, aqui já estavam os Delevedove, Losi, Forte, Bechelli, Torelli, Serra e outros. Sem esquecer a madama Terezinha, conhecida e hábil comerciante, até agora lembrada pelos velhos botucatuenses.

              Hoje vou falar da família de Antonio Serra. Gente que eu bem conheci, pois éramos do mesmo bairro. O velho Antonio Serra sempre residiu no fim da rua do Riachuelo, hoje Amando de Barros. Era a rua do Comércio. E sua casa ficava ( foi demolida ), em frente à sede do Tiro de Guerra local. Eu me lembro do velho Serra com um açougue de carne de porco. Em frente ao açougue de carne de vaca, do meu avô Capitão Zé Paes, onde o José Tenore era o magarefe. Tenho lembrança da velha Angela Serra. Em casa a chamava de “cabreira”, porque tinha um pequeno rebanho de caprinos e abastecia a vizinhança de leite de cabra. Leite tirado na hora. Puro. Quentinho. E que era a salvação da criançada criada na mamadeira.

           O estimado casal Serra, falecido há uns vinte e cinco anos, deixou os filhos: Antonio, João e Catarina, já falecidos, e mais o popular Rafael Serra, fazendeiro em Botucatu. Antonio, o ANDÓ, cocheiro e depois motorista de praça, foi casado com dona Izabel Montes Torres, irmã do conhecido Raul Torres, artista radiofônico, há pouco falecido. Andó e Izabel, já falecidos, deixaram o filho Antenor, o “Serrinha”, artista de rádio na Capital. João Serra, motorista profissional, foi casado com uma filha do velho Torelli. O casal, falecido, deixou um filho, o Serrinha, que atua na Rádio local. A filha Catarina, foi casada com Vicente Urso, motorista profissional. Ambos são falecidos. Deixaram filhos e netos, residentes em Botucatu.

             Rafael Serra, dos filhos, é o único que não foi motorizado. No princípio da vida, foi Cocheiro de trole. Fazia viagens para o Pardinho e Ribeirão Grande. Para Itatinga e Prata e outros lugares  onde o trem não chegava. E como não havia automóveis, as viagens eram realizadas a cavalo ou de trole. Com o tempo, Rafael se meteu no negócio de compra e venda de suínos. E prosperou. Fez fortuna.

            Rafael Serra, o popular compadre Serra, como dizia o Pedutão, ficou fazendeiro. E figura popular e estimada em Botucatu. Faz parte do “Senadinho”, que se  reune na Casa Royal. Nas noites de bom tempo, sob o comando do R.J.Rafael e a presença dos Drs. Raphael Augusto de Moura Campos, Jayme de Almeida Pinto, Martins, Prof. Prado, Chiquitinho Luizetto, o Banqueiro Antoninho Alves, o Tico Passos e outros ( sem esquecer o saudoso Dr. João Araújo ), os colendos discutem magnos problemas econômicos e sociais, apresentando soluções que infelizmente, até agora não foram acolhidas pelos poderes públicos.

            Quem vê o Serra fumaceando um cigarrão de palha, falando pausadamente, contando causos da sua vida de lutador, pensa que ele é caboclo do Rio Pardo. Mas ele é italiano de nascimento. Com oito anos de idade veio para o Brasil. E hoje, nos oitenta, bem vividos, é mais brasileiro que eu. Gosta de relembrar que foi companheiro de noitadas boêmias do Dr. Alcides, do Levy de Almeida, do Vicente Rocha, do Tóte Paes e João Martins, do Silvino Góes e outros,  todos já falecidos.

            Contava compadre Serra:  “ Nos velhos tempos, a coisa era dureza. Era como diziam: Escreveu não leu, o pau comeu”. Em dia de touradas, quando a cidade se enchia de forasteiros, um fim de fuzo na comadre Nicota ou na Tereza Mulata, acabava em bochincho. Às vezes com defunto. Nas carreiras na raia atrás do cemitério, ou no Alambary, havia cada sururu! E gente subia p’ra chácara do padre. Nas serenatas, o último gole era no João Meia Noite, num boteco que havia por perto da velha caixa d’água. Também eram notáveis as festas da Sociedade Italiana. No XX de Setembro, quando a verborragia latina subia ao máximo, o Serra fazia discursos, em francês, que eram vivamente aplaudidos pelos amantes de saladas ítalo-franco-brasileiras... E as ceatas do restaurante TRENTO e TRIESTE, do Franchino Alói, lá na baixada?

            Rafael Serra é casado com d.Tereza Bitonti Serra. De família avareense. São suas filhas: Carmelina; Amélia, casada com o Dr. Romeu Pardini, residentes em Bauru; Clara, casada com o Sr. Oswaldo Costa. Dona Clara é professora de música do IECA e Diretora do Ginásio Estadual de Anhembi. Rafael Serra, como diz o caboclo, é prata velha. E das boas.

 

( Correio de Botucatu -01/09/1971 )


 
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